quarta-feira, março 16

Uma das características loucas desta situação, é a ausência de relação entre o produtor e o objecto produzido.
Em consequência, a maioria das pessoas está mal inserida no mundo do trabalho. As massas prosseguem penosamente o seu caminho, sem procurar ir mais longe, primeiro porque as suas faculdades encontram-se entorpecidas por uma vida de trabalho e de rotina; e em segundo lugar é-lhes bastante necessário ganhar a vida. Encontra-se a mesma conjura nos círculos políticos, talvez com mais intimidade. Lá, não há lugar para a livre escolha, o pensamento ou a actividade independentes.
As instituições políticas e económicas só podem sobreviver moldando o indivíduo de modo que ele sirva os seus interesses; elas criam-no, portanto, no respeito pela lei e pela ordem, ensinam-lhe a obediência, a submissão e a fé absoluta na sabedoria e na justiça do governo; eles exigem antes de mais o sacrifício total do indivíduo assim que o Estado tem disto necessidade, em caso de guerra, por exemplo.
Nos seus escrúpulos religiosos ou morais ele pune até o indivíduo que recusa combater o seu semelhante porque não há individualidade sem liberdade e a liberdade é a maior ameaça que pode pesar sobre a autoridade.
O combate que guia o indivíduo em condições tão desfavoráveis - costuma durar toda a sua vida - é tanto mais difícil quanto não se trata, para os seus adversários, de saber se ele tem ou não razão. Não é nem o valor nem a utilidade do seu pensamento ou da sua acção que levanta contra si as forças do estado e da “opinião pública”. As perseguições contra o inovador, o dissidente, o contestatário, sempre foram motivadas pelo receio de que a infalibilidade da autoridade constituída fosse colocada em questão e o seu poder fosse sabotado. A evolução humana não é mais que um penoso caminhar nesta direcção.
É pelo indivíduo, que se mede o nosso grau de civilização; pelas suas faculdades individuais, pelas suas possibilidades de ser livremente o que ele é; de se desenvolver e de progredir sem intervenção da autoridade coercitiva e omnipresente. Socialmente falando, a civilização e a cultura medem-se pelo grau de liberdade e pelas possibilidades económicas de que desfruta o indivíduo; pela unidade e pela cooperação social e internacional, sem restrição legal nem outro obstáculo artificial; pela ausência de castas privilegiadas; por uma vontade de liberdade e de dignidade humana; em resumo, o critério de civilização, é o grau de emancipação real do indivíduo.
O absolutismo político foi abolido porque o homem se apercebeu, no decorrer dos séculos, que o poder absoluto é um mal destruidor. Mas o mesmo acontece com todos os poderes, quer seja o dos privilégios, do dinheiro, do padre, do político ou da chamada democracia.
O poder corrompe e degrada tanto o senhor como o escravo, e nada é mais terrível do que a tirania da maioria. No decurso do longo processo histórico, o homem aprendeu que a divisão e a luta levam à destruição e que a unidade e a cooperação fazem progredir a sua causa, multiplicam as suas forças e favorecem o seu bem-estar.
O indivíduo já se deixa cegar menos pelos falsos brilhos, esforça-se por atingir as perspectivas mais amplas das relações humanas que só a liberdade alcança. Porque a verdadeira liberdade não é um simples pedaço de papel intitulado “constituição”, “direito legal” ou “lei”. E também não é uma abstracção derivada desta outra irrealidade chamada “Estado”. Não é o acto negativo de ser libertado de qualquer coisa; porque essa liberdade não é senão a liberdade de morrer de fome. A verdadeira liberdade é positiva; é a liberdade em direcção a qualquer coisa, a liberdade de ser, de fazer, e os meios dados para isso. Não pode tratar-se de um dom, mas de um direito natural do homem, de todos os seres humanos.
É preciso um pouco de ideal para fazer sair o homem da inércia e da monotonia da sua existência e transformar o vil escravo em personagem heróica.
Marx disse que o homem não é senão uma figurinha nas mãos desta vulgarmente luta de classes. A vontade do homem, individual e colectiva, a sua vida psíquica, a sua orientação intelectual, tudo isso conta bem pouco para o nosso marxista.
Somos muito pouco avançados em psicologia humana, talvez não saibamos nunca mesmo o bastante para pesar e medir os valores relativos de este ou aquele factor dominante do comportamento humano.
Felizmente, certos marxistas começam a ver que o seu Credo não constitui toda a verdade; afinal de contas Marx era um ser humano, demasiado humano para ser infalível. As aplicações práticas na Rússia abrem, actualmente, os olhos dos marxistas mais inteligentes. Pode-se presenciar, reajustamentos ao nível dos princípios marxistas nas fileiras socialistas e até nas comunistas dos países europeus. Eles compreendem lentamente que a sua teoria não teve suficientemente em conta o elemento humano. Por importante que ele seja, o factor económico não é ainda suficiente para determinar por si só o destino de uma sociedade. A regeneração da humanidade não se alcançará sem a aspiração, a força energética de um ideal. A sociedade deve estar ao serviço do homem e não o homem ao serviço da sociedade. O único fim legítimo da sociedade é o de acudir ás necessidades do indivíduo e de o ajudar a realizar os seus projectos.

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