Os olhos.
Reparo muito nos olhos das pessoas.
Não sei a importância que isso tem, mas acontece assim, leio
as pessoas nos olhos.
Não sou tímido mas reservado, sou sociável mas guardo coisas
só para mim. Aprendi a distanciar-me e a ver os outros de “panorâmica”, e acho
que isso é o meu instinto a funcionar, para me proteger da maldade alheia, e
evitar que o meu coração sofra mais desilusões do que me é humanamente suportável.
Posso ser banal mas não sou indiferente. Mais do que o meu
próprio sofrimento, a que já me habituei a suportar sem que os outros se
apercebam, é o sofrimento alheio que me aflige e apoquenta os dias,
entristece-me.
Não poder resolver os problemas do mundo magoa-me, mas eu
sei que é uma estupidez pensar que o posso fazer, não me é possível, é irrealista,
e pensar nas minhas necessidades em ultimo não é saudável, nem sequer é
racional.
Agora a bomba!
Quanto mais me pedem para deixar fazerem-me aquilo que faço
aos outros, mais eu resisto a deixar-me confiar nas pessoas. E quanto mais
tento explicar a razão de não confiar muito nos outros, e de ser como sou, mais
vejo que sou um pária. Confio em poucas pessoas porque aprendi a não confiar,
porque sofri a desilusão.
Quando em miúdo tentei pedir ajuda para me defenderem da
violência a que minha mãe me sujeitava, ninguém acreditou, todos se viraram
contra mim porque não era encaixável nas suas cabeças uma mãe abusadora, eu era
o miúdo com problemas na cabeça, e tive de viver com isso e arranjar defesas.
A tragédia disto tudo foi a de passar a acreditar na minha mãe,
e até aos 16 anos pensar que eu era o responsável pela violência que minha mãe
me sujeitava, diariamente. E que merecia o tratamento.
O milagre foi a de não me ter tornado num abusador, num
rancoroso, num delinquente, de não ter recorrido a aditivos para atenuar a dor.
A ironia disto tudo é a de pensarem que escolhi ser como sou,
e de que tenho de ser sempre forte…
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