quarta-feira, novembro 2


Hoje se meu pai fosse vivo faria 70 anos.

O que me lembro de meu pai.
A recordação de que tenho de meu pai embora não seja muito feliz, é menos infeliz do que da minha mãe.
Recordo-me dele como outra pessoa infeliz, preso a um casamento e uma família que não desejava, tentando estar o máximo de tempo ausente de casa, para não ter que “aturar” a mulher os filhos.
Só soube mais dele já no fim da vida, pouco falou do tempo da guerra em Angola, nunca falou do seu tempo de resistente comunista, e da sua prisão.
Nunca foi um homem carinhoso com os filhos, nem soube ser pai, nunca ensinou nada, nunca brincou comigo, nunca me deu uma palavra de incentivo. Era um estranho.

Cedo ficou doente, e 3 tromboses puseram-no paralisado do lado direito aos 35 anos.
A minha mãe sempre teve o “cuidado” de fazer com que os filhos odiassem o pai, responsabilizando-o pela sua infelicidade, que a levava a tratar-nos mal e a fazer-nos torturas e muita porrada. Mais tarde descobri que não era ele o culpado, mas sim também uma vitima, de uma mulher frustrada e desequilibrada. Quando me apercebi disso, comecei a aproximar-me dele, mas a morte interrompeu esse processo. Ficou um vazio e amargo de boca...
Entendi o facto de meu pai não ter sido um pai, mas sim o homem que dava dinheiro para o sustento, mas não posso “perdoar” tal. Não estou cá por minha vontade, e penso que nem pela dele, mas se estou cá foi por acção dele, não sou culpado de ter nascido.
Mas sei que se ele não soube dar carinho, nem interagir com os filhos, foi por causa da sua educação, dada pelos meus avós, que também não eram afectivos. Mas eu tive uma infância sem amor e carinho, cheia de porrada e torturas, e estou cá, integro, sou (ou tento ser) uma pessoa bondosa e atenta aos outros. Escolhi o meu caminho.

Vê-lo definhar foi difícil, e a morte dele, durante o meu serviço militar, foi um soco no estômago, apanhou-me de surpresa, numa altura em que estava a tentar lidar com a minha “prisão militar”.
A minha mãe não queria que eu soube-se que ele tinha morrido, mas o meu irmão não lhe fez a vontade, ela até na morte dele foi cruel. Aguentei forte até o ver descer á terra, ai não aguentei e senti que o tinha “perdido”, que não tinha tido um pai, mas um homem que me gerou, e que proporcionou alimento. E um resto cheio de nada...
Hoje estou em paz com ele, gostaria que estivesse comigo, que tivéssemos longas conversas, que me falasse dele, de saber exactamente o que ele pensava de mim, de o conhecer.
Foi o único na família que não me expulsou, nem me condenou por eu ser gay.

Feliz aniversário pai, pelos teus 70 anos de vida, pelo menos na minha memória...

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