Somos uns seres complexos em que o presente se mistura com um passado.
Mas no fim são tão poucas as palavras realmente importantes.
Por vezes não é bom olhar para o passado. O passado tem esqueletos.
Tantas vezes me banhei naquele rio.
O meu rio é o Ceira.
O rio Ceira nasce na Serra do Açor a 1 118 metros de altitude, e percorre 100 km até ao rio Mondego perto de Coimbra.
Foi lá que aprendi a nadar, com uma daquelas câmaras de ar dos pneus dos tractores, que tinha um pipo para dentro, e que nos arranhava todos.
Na aldeia dos meus pais, a Ponte de Fajão, o Rio Ceira passa limpo, a água é límpida e cristalina, cheia de pequenos peixes que, se estiverem parado, vem comer os pequenos seres poisados nos teus pés, que tu levantastes do fundo do leito do rio com os teus pés.
Foi lá também que nadei pela primeira vez nu, livre que nem um passarinho e fiz nudismo.
O local onde íamos tomar banho chama-se Gola Grande (nunca consegui que me dissessem porque se chamava assim). Mas tinha dois belos e pequenos lagos, de água fria, e grandes rochas planas onde apanhávamos sol, e brincávamos com os meus primos.
Um lago era de fácil acesso largo e baixo, o outro comprido e fundo, onde só se tinha acesso mergulhando do alto de uns penedos.
Ao lado de quem entrava havia um moinho de água.
O rio atravessa a aldeia dividindo-a, e tem duas pontes na aldeia.
Acordava sempre ao som do rio a correr quando era Inverno, pois o caudal aumenta nessa altura, fazendo desaparecer a praia natural, o que levava a todos os anos o caudal a mudar de aspecto e até pequenos desvios de curso.
Para sul havia outra praia natural, estas de seixos, onde imã os rapazes fazer nudismo, para meu contentamento claro LOL.
Mais a sul havia uma ponte muito antiga, estreita, sem protecções, na aldeia de Cartomil e o rio continua serra abaixo passando por Góis, que é considerada a princesa do Ceira e Serpins, onde começava o antigo ramal da Lousã.
Havia uma estrada que acompanhava o rio por vários quilómetros entre Fajão e Gois, de uma beleza invulgar e quase selvagem, pontilhada por pequenas aldeias e ou casas abandonadas, sinal de uma desertificação que grassa no interior pobre do país.
O que é bom para um rio, o Ceira depois de Gois fica poluído.
Mas no meu rio fui muito feliz, e ele será sempre o meu rio, com quem eu sonhava, para o qual tinha desejo de voltar todos os Verões, para as suas águas frias, mas limpas, que davam para beber.
Mesmo no Inverno, sempre que ia á aldeia, ia ver o meu rio, e ficava a ver os peixes, maiores nessa altura, a nadar e a saltar no rio, os “alfaiates” a boiar, os pássaros a beber nele.
E lembro-me das minhas tias e primas a lavar a roupa e os tachos no rio. E a deixarem a roupa a corar nas margens.
Margens essas que tinham pequenas lameiras onde se cultivavam produtos hortícolas, com levadas nos limites para irriga-las, por quilómetros, que eu percorria, sozinho a contemplar a natureza, impávida a mim. De vez em quando um sapo, uma rã, uma cobra, um lagarto vinham espreitar-me, ver quem passava, como se a cumprimentarem-me ou a dizerem-me - que vens aqui fazer? Que queres daqui? Tu não és de cá…”
E os rebanhos de cabras, com os seus chocalhos seguiam pelas suas margens, pela hora de almoço, (a nossa, que a do campo não se compadece da dos citadinos), e que anunciavam o fim do dia quando regressavam, para serem ordenhados antes de voltarem aos currais.
Tenho saudades do meu rio, que sei que lá está, com a sua praia natural, substituída por uma artificial mais a sul, junto da Ponte Nova.
Mas as minhas praias serão sempre a Gola Grande, a do Américo e a Foz do Choroso, mais a norte, com uma pequena ou várias cascatas (dependendo do Inverno anterior)
O meu rio é o mais lindo, para mim é o meu rio, e ele é o Ceira.
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