domingo, junho 24



Os ideais que me iluminam e me enchem incessantemente de alegre coragem de viver foram sempre a bondade, a beleza e a verdade. Sem o sentimento de harmonia com aqueles que têm as mesmas convicções, a vida ter-me-ia parecido vazia. Os banais esforços humanos de propriedade, êxito exterior e luxo pareceram-me desprezíveis.
Quando reflectimos sobre a brevidade e a incerteza da vida, parecem-me desprezíveis todos os nossos anseios de felicidade.
 Juntar todas as pessoas num molho é trabalho menos complicado do que o de personalizar cada uma delas.
E evita que pensemos, o que para muitos é complicado. 

Parece-me quase natural o facto de vermos defeitos nos outros e fazermos juízos pouco agradáveis. Porque temos, o direito de as avaliar segundo os nossos padrões e, em tais situações, mesmo as pessoas compreensivas e moderadas dificilmente se abstêm de fazer uma crítica.
Mas muitas vezes quando se tentar entender a outra pessoa no seu ambiente, no que realmente é através do seu percurso, e na maneira como ela se adaptou e sobreviveu, só por má vontade ou por manifesta incompreensão se pode criticar aquilo que, não pôde deixar de nos parecer, por mais que uma razão, digno de ser criticado. O indivíduo mais limitado pode ser completo, se se move dentro das fronteiras das suas capacidades e das suas disposições pessoais.



É verdade que não são as circunstâncias que definem a nossa vida, mas fazem-nos seguir caminhos.
Eu sempre escolhi o do diálogo e da compreensão, o do conflito nunca me trouxe nada de bom. E mesmo os que ganhei, acabei por perder, pois ficou um vazio de razão que não me preencheu.
A vida, que é, antes de tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser.
Não somos arremessados para a existência como uma bala, cuja trajectória está absolutamente predeterminada.
Surpreendente a vida! Viver é sentir-se forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos ser neste mundo. Nem um só instante se pode deixar descansar a nossa obrigação de tomar decisões, mesmo quando desesperados decidimos não decidir.



E quem decide é o nosso carácter.
Um homem louco é aquele cuja maneira de pensar e agir não se coaduna.
Há pequenas impressões, finas como um cabelo e que, uma vez compreendidas, evitam muito sofrimento e quezílias inúteis.

quarta-feira, junho 13


A Europa a afundar-se arrastando a economia, e o país preocupado com o futebol. "Somos os maiores", no desemprego? na injustiça? na desigualdade social? na falta de transparência? na corrupção? na abstenção? no abandono escolar? na iliteracia? na desresponsabilização? no desenrasca?

AH LÀ ISSO SOMOS. E depois quando nos dizem as verdades ficamos irritados e "lá vêem os profetas da desgraça". Já diz o ditado "o pior cego é aquele que não quer ver". Ganhamos um jogo e somos os maiores, e vamos resolver a "crise" do país.
Deve ser a dos ricos (jogadores da selecção incluídos). Porque amanhã a taxa de desemprego vai continuar a subir, a desigualdade também, e os meninos da selecção vão poder continuar a viver a sua vida de lordes, como os tugas vão continuar a bajulá-los, ou a crucificá-los, dependendo se ganham ou perdem.


Ontem vi escrito na casa de banho de um bar, “Não entendo o que é isso do Orgulho Gay? Orgulho em ser gay? Em acho uma coisa normal”.
Entendo que ache ser gay uma coisa normal, porque o é; agora o não entender o que é ter orgulho em ser gay… ou é um privilegiado ou é estúpido.

Eu tenho orgulho em ser gay porque não tenho vergonha de o ser, porque tenho orgulho em mim, por ter sempre lutado para me respeitarem, contra o preconceito, a maldade, o desrespeito que muitos me quiseram tratar.
Só quem não viveu, e lutou, para que o respeito pela orientação sexual fosse igual, é que não compreende o Orgulho Gay. Muitos falam como se fosse igual a vida para um gay ou para um hetero. NÂO, NÂO é. Infelizmente ainda não é…
Quando eu tinha 18 anos éramos presos por sermos gays, e levados para as esquadras, e humilhados e ouvíamos se queríamos levar com o cassetete pelo cu acima , (embora acredito que muitos quisessem).
Só quem não passou pela expulsão da família, por agressões brutais, pela humilhação, pela perda do emprego, pela negação simples a mostrar os afectos por uma pessoa que se ama livremente na rua, pode perguntar ou criticar quem se ache no direito de ter orgulho em ser gay.

Eu tenho orgulho em ser gay, porque apesar de tudo aquilo que me fizeram sofrer, sou um ser equilibrado, um bom ser humano, soube lutar e venci, fui melhor que eles.
Tenho sim orgulho, e vou continuar a lutar para que outros o tenham.

António Variações - Perdi a memória

domingo, junho 10




Alguns ouvem com as orelhas, outros com o estômago, outros com o bolso e alguns, simplesmente, não ouvem.

O silêncio do invejoso está cheio de ruídos.



Protegei-me da sabedoria que não chora, da inteligencia que não ri e da grandeza que não se inclina perante os mais fracos.



Algumas vezes do mal nasce algum bem, e do bem, algum mal. O presente é nosso, por isso não nos serve de alívio o bem futuro, nem nos deve inquietar o mal futuro



Uma pessoa realista não se ilude mas também não pode deixar de ter esperança. Se fizermos uma reflexão, sabemos o pouco que basta para fazer o nosso bem, ou o nosso mal: de um instante a outro mudamos da alegria para a tristeza, e muitas vezes sem motivo digno disso, que o de uma vaidade mais, ou menos satisfeita.



Os homens não são todos igualmente sensíveis ao bem, e ao mal, a uns penetra mais vivamente a dor, a outros só faz uma impressão ligeira. O bem não acha em todos o mesmo grau de contentamento.

No carácter há a mesma diferença, uns mais débeis, e outros mais robustos, por isso uns são mais sentimento, e outros mais resistência, nuns domina a vaidade e em outros a vaidade é uma coisa natural

A vaidade é um ímpeto, um vício sossegado, e sem desordem.
  

quinta-feira, junho 7

Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz?

A idiotice e a felicidade estão ligadas, muito ligadas.
O idiota tem segurança em si próprio que o leva, a considerar-se uma pessoa sempre certa, com razão e de beatitude muito próxima do ele considera ser superior.
Assim sendo, não vejo incompatibilidade entre o ser-se idiota e o ser-se feliz. Bem sei que há várias maneiras de se chegar a idiota. Já foram experimentadas comigo.

João, não penses. Se começas a pensar estragas tudo.
Não quero dizer, com isto, que não acredite na felicidade. Mas não consigo afirmar-me como um grande idiota.

Agora que muitos, de certeza, querem fazer de mim outro idiota. Não por desejarem reconverter-me, mas para aconselharem-me, a eu não pensar, principalmente não pensar.
Se tivesse seguido o caminho para mim traçado, talvez tivesse sido feliz - não se sabe - idiota e feliz. Assim, fiquei longos anos idiota e infeliz, infeliz por ser idiota e saber que o era e que não podia deixar de o ser. Ora, um idiota que é infeliz por saber que é idiota já pode estar a caminho de deixar de o ser. É uma possibilidade. É a tal luz no fundo do túnel, como se disse tantas vezes a propósito da situação económica deste idiota de país.

Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza uma felicidade, que consiste em uma pessoa se julgar muito superior às que a rodeiam.
Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima como poder, é, quase sempre, um perigo.
Oremos.
Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.

domingo, junho 3



Os donos da razão, todos os dias os encontro.

Evito-os, embora ás vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me enganam. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.


Convencidos da vida há-os, em toda a parte, eles estão convictos da sua excelência, da sua razão magnânima dos seus actos de que são, os melhores.
Praticam, uns com os outros esse convencimento, e precisam de espectadores, necessitam de “dar nas vistas”, ser o foco das atenções. E não admite que está errado, e não ouve os outros, os outros para ele são simples ouvintes.

Faz “amizades” conforme lhe for mais útil, conforme a disponibilidade e a pachorra de lhe seguirem o raciocínio.

Dizem as piores asneiras com o ar mais convencido do mundo, e pensam que todos nós, seres inferiores a eles, acreditamos. Cultivam a sua vaidade baseada na ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e julga-se mais hábil do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro um convencido da vida fazer piruetas, e contradizer-se, para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.

sábado, junho 2



O que é mais proveitoso, representar o mundo como pequeno ou como grande?



Para mim sempre foi claro ver na humanidade qualquer coisa de grande, de magnífico e de importante, digna de todos os zelos e de todos os esforços, que vejo com consideração e estima.

Sempre foi essa sensação, essa ideia, essa certeza, que me fez avançar, que me fez tornar melhor ser humano, na tentativa (sei que vã) de me tornar um ser perfeito. Acreditar que posso ser melhor, e tornar nesse processo, os outros melhores, tem sido o meu catalizador para tornar a minha infância e juventude de dor e sofrimento, numa vida dedicada aos outros. Porque se há uma coisa que sei nesta vida, é que a minha salvação está nos outros, e só neles, nos afectos e em tudo o que de bom vou conseguir dos outros seres humanos. E eu sei que vou.



Isto não me isenta de certa depreciação de mim mesmo e do mundo, uma espécie de mal-estar, em que o mundo, sorrindo, me vê como um rapaz ingénuo e tolo.

Mas a minha confiança e fervor em que acredito que o ser humano tem salvação, que é bom estar vivo e acreditar na bondade dos outros, oferecem-me vantagens consideráveis. Não concedo grande importância às coisas mas aos actos, aos sentimentos. Além disso, os meus pensamentos e o meu comportamento são causa de uma (aparente) seriedade, duma paixão e de um tal sentimento de responsabilidade que, tornando-me ao mesmo tempo um homem amável, não me fazem esquecer, nem descurar, do que podem fazer as pessoa mais vis.