Não me lembro do dia em que nasci, nem na altura existiam
tecnologias para registar o acontecimento, mas também não foi um dia de festejo
para meus pais.
Segundo os astros sou Peixes, com ascendente em Peixes, e
lua em Gémeos, seja lá o que isso queira dizer…
Nunca fui um filho desejado ou amado, bem pelo contrário, a
minha mãe era uma mulher abusadora com os filhos, e revoltada com o marido, com
ela própria e com o mundo.
Desde cedo me lembro dos abusos de minha mãe, e de chorar
muito, de me sentir merecedor da violência a que era sujeito, pois era isso que
a minha mãe me dizia, a mim e a meu irmão. O meu pai assistia a tudo, e saia de
casa para fugir e não ter de tomar a defesa dos filhos.
Quando tentei pedir ajuda, enfiaram-me num psiquiatra e
fizeram-me tratamentos a levar choques eléctricos na cabeça, pois o maluco e desequilibrado
era eu. Aprendi a defender-me sozinho, e a não confiar muito nos outros, e a
aceitar com dificuldade a ajuda alheia.
No entanto fez-me estar sempre atento ás necessidades dos
outros, fiz da ajuda ao próximo uma missão de vida, pois não iria desviar a
cara como me tinham feito a mim. E também não me iria tornar numa pessoa igual
a eles, não sei explicar mas nunca me revi na maldade, na humilhação aos
outros, na violência, na raiva, na inveja, e em todas as falhas de carácter que
infelizmente alguns seres são munidos em abundância.
Também nunca tive sentimentos de vingança, nem com a minha mãe,
nem com o resto da família, não era esse o meu caminho, não o quis, recusei percorrê-lo,
mas não sou obrigado a conviver com que me faz sofrer.
Carrego comigo uma dor que não sei tirar do meu peito, e
lembranças que não consigo apagar do meu disco rígido.
Eu sei que temos de ser fortes, que somos futuro, que o
passado é passado, e essas teorias todas, e também sei que são em parte
verdade. Mas não consigo esquecer, e muito menos perdoar as afrontas e falhas
de carácter, por mais esforço que faça.
Sinto-me como de fosse uma peça danificada, defeituosa,
riscada, partida, errada. E que a culpa é sempre minha…
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