E eu a pensar que não me podia acontecer pior…
Uma das coisas que descobri no meu curso, foi a de que consigo escrever bem e exprimir os meus sentimentos no papel, melhor do que por palavras.
Uma das coisas mais difíceis e de que nunca falei, foi da minha doença.
Chama-se apneia do sono, e é para muitos uma doença desconhecida, mais vulgarmente conhecida como “a doença de morte súbita”.
Comecei a sentir os sintomas desde o fim do serviço militar, ganhei imenso peso e comia desalmadamente, depois de almoço estava sempre cheio de sono, senti mudanças de humor, irritação e muitas dores de cabeça fortes. Ressonava muito e tinha paragens respiratórias durante o sono.
Quando me mudei para o deserto da península de Setúbal, fui ao meu centro de saúde pedir médico de família, e durante uma visita de rotina à minha médica, falei dos meus sintomas e ela pediu-me para fazer inúmeros testes, desde o HIV/Sida até ao “teste do sono”.
Fui realizá-lo numa clínica na Av. Almirante de Reis em Lisboa, não dormi durante a noite toda e às 9 da manhã lá estava para fazer o teste. Tinha 76 apneias por hora de sono, 38 de gravidade elevada, ou seja em cada hora de sono tinha 38 hipóteses de morrer asfixiado.
Li tudo sobre a doença, mas não disse nada a ninguém, o único que sabia era o meu ex. Preferi assim, não queria pena, nem que os meus amigos ficassem sobressaltados com a ideia.
Sofri em segredo. Era melhor para todos.
Ao fim de 6 meses em lista de espera, recebo um telefonema, depois do almoço, no trabalho, a dizer-me que iria ser operado na semana seguinte e para comparecer para os exames de rotina, antes de cada operação. Nesse dia apercebi-me de que tinha 50% de hipóteses ou mais de não sobreviver à operação. Fiquei perturbado, mas calado, fui chorar para a casa de banho às escuras e desabafei. No emprego pensavam ser uma operação leve e eu não os informei de que poderia não voltar. Trabalhei aquela semana como se fosse de férias e voltaria depois.
Até que chegou o dia, fui internado na véspera, fui trabalhar, sai à mesma hora, já não pude jantar e lá fiquei internado. Cateter na mão (tenho veias fáceis) e comprimido para dormir.
Fui acordado às 7 da manhã, pois ia ser o primeiro a ser operado, no entanto uma urgência complicou as coisas e acabei por só ir às 12 horas. Uma aflição…
Mas lá fui, sem óculos lembro-me de tentar ver as horas, e ser levado para uma sala. Nessa altura chorei e toda a minha vida, os meus amigos, o meu falecido pai, o meu cão Farrusco, todos as mágoas e alegrias vieram à minha cabeça. Não disse a ninguém que ia ser operado, nem que poderia não sobreviver, não queria que ficassem aflitos por minha causa. Não gosto de incomodar os outros. Fui para a sala de operações e só me lembro da anestesia entrar fria pelo cateter na minha mão e de ver o bocal a vir de encontro à minha cara, e de pensar, se calhar não vais acordar, acaba aqui a tua vida, isto é a última coisa que vais ver…
Acordei 3 horas depois, a ouvir duas enfermeiras a contar coscuvilhices do hospital. Fui levado para a minha cama, com a cara toda inchada, mas a pensar desta já me safei. Tinham-me tirado os Adenóides, refeito o septo nasal, o palato, tirado a campainha e as amígdalas.
Uma semana depois estava em casa, sem ter sido visitado por ninguém, mesmo aqueles que souberam entretanto, não me visitaram, uma ex-amiga até ficou ofendida. Duas semanas depois fui tirar as esponjas que tinha no nariz e tive uma hemorragia grave o que levou à colocação de novas esponjas, sem anestesia, para estancar o sangue. Mais uns dias e voltei, estava cicatrizado e voltei a casa, ainda sem poder comer sólidos.
Mas na manhã seguinte, quando estava a fazer a higiene na casa de banho, tive uma hemorragia grave, o lavatório parecia uma mesa de matadouro, o meu ex tinha saído para comprar pão e eu agarrei uma toalha para tentar estancar o sangue. Quando ele chegou a casa pedi-lhe para me chamar o 112, e 15 minutos depois estava a caminho do hospital e a pensar o que me iria acontecer. Levei logo uma transfusão e fiquei internado mais uma vez.
Recuperei de tudo e ganhei o sono perdido, mas não memórias que se perderam. Se calhar algumas até foi bom terem-se perdido…